No dia 23 de outubro ocorreu na UNESP/campus de Franca a 2ª edição dos Júris Históricos, projeto conduzido pelos professores doutores Paulo Cesar Corrêa Borges, do departamento de Direito, Ricardo Alexandre Ferreira, do departamento de História e pela professora doutora Larissa Biato de Azevedo, do Programa de Pós-Doutoramento da UNESP, em parceria com o Arquivo Histórico Municipal de Franca “Capitão Hipólito Antônio Pinheiro”.
O julgamento da edição de 2024 foi preparado a partir de um processo criminal instaurado em 1878 na então Comarca da Franca do Imperador para a apuração do homicídio cometido por Damião contra sua mulher Adriana e sua filha Águida. O réu e sua esposa faziam parte da escravaria de José Esteves de Andrade, que também era tutor da filha do casal, uma ingênua de apenas 4 meses quando do crime. À época, a escravidão de africanos e descendentes vigorava na cidade de Franca, como de resto no Brasil, e havia dispositivos no Código Criminal do Império (1830) destinados especificamente aos escravos.
A preparação da atividade envolveu diretamente os discentes dos cursos de Direito (3º ano) e de História (2º ano), que puderam conhecer o processo-crime original, participar de uma aula preparatória, estudar o caso e compor o Conselho de Jurados. A sessão do Júri Histórico contou com a audiência estimada de 200 pessoas, entre discentes de outros cursos da unidade, alunos da pós-graduação e o público externo à universidade.
A seguir, podemos acompanhar os depoimentos de alguns dos discentes que atuaram no Júri:
“A proposta primeiro me gerou certo estranhamento, principalmente ao ligar o ocorrido a uma legislação recente, como o caso do feminicídio. Entretanto, após breve reconsideração pude perceber que a atividade é muito interessante por levar em conta a reflexão das relevantes raízes patriarcais históricas, e, neste caso, de maneira mais abrangente, entender que o direito provém de demandas da sociedade. E, sumariamente, por mais anacrônica que atividade possa parecer, o que acontece no passado reflete diretamente na sociedade que somos hoje.” Bianca Lopes de Sousa (Advogada), curso de Direito
“Foi com grata satisfação que tive a oportunidade de participar da 2ª Edição dos Júris Históricos, uma colaboração entre as disciplinas de História Moderna e Direito Penal da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UNESP. Sob os ditames do Código Penal e do Código de Processo Penal, vigentes à época do Império, o caso em tela contou com o julgamento de Damião, escravo de José de Esteves de Andrade, acusado do crime de homicídio perpetrado contra sua esposa e filha. Posto isso, cumpre salientar quão cara foi esta experiência para o aprendizado, não somente daqueles que atuaram na sessão, mas também dos ouvintes. Senão vejamos. A uma, de imediato ressalvo as lições obtidas com a minha própria atuação como Magistrado que permitiram uma maior compreensão dos diferentes elementos que circundam este cargo: a supra imparcialidade, o equilíbrio entre a firmeza e a cordialidade e, principalmente, a tomada decisória, inclusive diante de situações extraordinárias. A duas, há de se mencionar a importância do entendimento de nossos institutos jurídicos e como estes se aperfeiçoaram ao decorrer dos anos. Nesse limiar, fomos colocados em uma “nova” dinâmica, marcada pelas leis do Brasil Império, de modo que, por meio disto, pudemos formular teses, enredos e decisões pautadas neste momento histórico. Nesse sentido, veja-se que a atividade suscitou naqueles que nela figuraram, seja como Magistrado, Promotor, Curador ou juiz de fato, a adaptabilidade a um contexto inusual, no qual o estudo do caso obrigou per si a remontagem da jurisdição outrora empregada no enredo brasileiro. Neste viés, as diferenças quanto à contemporaneidade são notórias em toda a sessão do Tribunal: desde a formulação do actum trium personarum às penas cruéis cabíveis. A exemplo do acima exposto, não poderia deixar de invocar o juramento legal feito pelos juízes de fato: juro pronunciar bem e sinceramente nesta causa; haver-me com franqueza e verdade, só tendo diante dos meus olhos Deus e a Lei: e proferir o meu voto segundo a minha consciência. Por fim, tenho plena ciência de que esta experiência representou para os envolvidos uma rica prática, angariando simultaneamente noções jurídicas e históricas que construíram as bases do procedimento especial do Tribunal do Júri.” Pedro Pucci Focaccia (Juiz), curso de Direito
“A experiência de poder participar do júri simulado tão ativamente, foi sem dúvidas extremamente gratificante e estimulante. Poder me envolver na atividade de maneira intensa, do início ao fim, engrandece a perspectiva que um estudante do curso de direito tem acerca da vida em tribunais e da ação real desses profissionais. De fato é o tipo de experiência que te coloca muito profundamente nesse meio realmente prático e te coloca a realmente trabalhar, pesquisar e entender o que aquele caso em específico demanda para poder fazer uma boa atuação no momento. É algo que considero indispensável para a nossa formação.” Vitória Santos da Silva (Promotora), curso de Direito
“Desde o momento em que o professor Ricardo (do Curso de História) levantou a possibilidade de uma atividade conjunta entre os cursos de História e Direito eu fiquei muito interessado, porque eu vejo as duas disciplinas como complementares em muitos aspectos. Atuar como jurado neste caso foi uma experiência muito rica e muito divertida. Foi para além do âmbito acadêmico, porque simular este julgamento foi para mim um exercício de humanidade e de consciência.” Vinícius Venceslau Aprigio (Jurado), curso de História
“Em minha percepção, o Júri correu muito bem, tendo-se observado uma imensa seriedade por parte dos discentes do curso de direito na composição e realização do Júri. E, particularmente, foi uma experiência bastante imersiva, ficando-se a impressão de que realmente estávamos em um tribunal fidedigno.” Lucas Paiva Ramos (Jurado), curso de História
“Gostei muito de participar do Júri Simulado, e poder ser um dos jurados foi uma experiência nova que poucas vezes temos na faculdade, de fazer uma atividade que reúna mais de um dos cursos ao mesmo tempo e conseguir aprender os preceitos e moldes de outra área que, muitas vezes, é distante da nossa que é o Direito. Particularmente, achei interessante a atuação dos estudantes de direito que fizeram o papel de promotores de defesa e acusação, e tiveram que tentar lidar com o conceito de anacronismo, já muito conhecido no curso de história, mas talvez não por eles, em suma achei a participação muito gratificante.” Rian Barbosa Paiva (Jurado), curso de História
“Participar da 2° edição dos Júris Históricos como parte do Conselho de Jurados foi uma experiência muito rica em aprendizado. O fato de termos compartilhado a atividade com o curso de Direito proporcionou uma profundidade muito grande na simulação do caso, isso, por sua vez, também causou a reflexão sobre como a nossa posição de alunos de História enquanto jurados do caso, foi diferente do que seria esperado talvez de alunos de outros cursos, devido a importância que colocamos na não ocorrência de anacronismos. O Júri Simulado também colaborou para que nos colocássemos no lugar das pessoas que um dia tiveram que passar por tal situação. Percebemos importantes fatores que não mais existem, e os que vieram a impactar em nossa sociedade hoje como a escravidão e o feminicídio, isso possibilitou refletirmos sobre a mudança do pensamento e do comportamento humano através dos séculos. Agradeço a todos os Professores e pessoas envolvidas pela oportunidade de presenciar e participar de um evento que pode proporcionar um grande conhecimento.” Samara Vitória Vianna (Jurada), curso de História
“Participar do júri simulado como parte do Conselho de jurados foi uma experiência ímpar em todos os sentidos pensáveis. A participação do departamento de Direito ajudou a trazer uma mínima realidade de como funciona um julgamento, mediante o profissionalismo demonstrado pelos alunos, mas especialmente como jurado poder presenciar o que desde o início do curso de história é mencionado a respeito dos problemas do anacronismo. Ver como ele foi colocado em prática para tentar ‘uma reparação histórica’ mostra como nós sendo historiadores temos que tomar cuidado com isso, além disso, o debate que surge sobre a possibilidade de uma nova pena caso os jurados pertençam a outros cursos. Agradeço a todos os Professores e pessoas envolvidas pela oportunidade de presenciar e participar do júri.” Carlos Alberto Montanari Filho (Jurado), curso de História
A próxima edição dos Júris Históricos, que passa a contar ativamente com historiadores e arquivistas do Arquivo Histórico Municipal “Capitão Hipólito Antônio Pinheiro e assessoria técnica/acadêmica da UNESP, já está em preparação e deve, novamente, conciliar o debate de temas candentes no país, como o racismo, a condição da mulher e os dilemas da justiça num diálogo permanente entre o presente e o passado, a universidade e a sociedade brasileira.